O Porto de José Régio
Jardim da Cordoaria
O Liceu funcionava num casarão medonho, imenso, à velha e lôbrega Rua de S. Bento da Vitória. Em frente, era a Cadeia da Relação. À entrada da rua havia prédios sujos e bodegas escuras, donde vinha a exalação infecta dos comes-e-bebes para gente pobre. Pelos passeios, e extravasando, circulava uma população miserável mas animada, que se descompunha, que ria, que praguejava ou dizia chalaças, e tinha ao ar livre o mesmo violento à-vontade que dentro de casa.
Certos dias, tudo isto oprimia o coração de Lelito de uma tristeza que o acabrunhava, e lhe parecia irremediável. Na realidade, só o ajudava a sentir ainda mais fundo a sua própria melancolia.
A Cadeia da Relação. À esquerda fica a Rua de S. Bento da Vitória
Ao fundo da calçada, também havia uma espécie de miradoiro para o casaria da cidade, os bairros de à beira rio e os longes de Vila Nova de Gaia. Era bem mais alegre, sobretudo quando o sol enchia o céu e doirava todo o burgo. E uma vez Lelito metera por becos e ladeiras, descera uns lanços de escadinhas escusas, e fora quase até à Foz (julgara ele) pela margem do Douro. Outra vez, como os outros, arriscara-se até às ruas centrais da cidade. Mas andara tão assustado, com tal pavor de encontrar alguém de Azurara ou do colégio, que lhe nem prestara a deambulação… Só por desafio e desespero a repetira depois várias vezes. Pouco ou nenhum prazer lhe tinham dado estas novas escapadas. Simplesmente provara a si próprio que era capaz de afrontar um medo humilhante, rebelar-se contra o jugo… Pelo mesmo sentimento resolvera acompanhar, qualquer dia, o Pessegueiro à tal casa de vício. Até ao presente, - faltara-lhe coragem.