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Amar o PORTO +

"Não há futuro sem memória. Sem enraizamento e sem memória, os povos, como os homens, são apenas náufragos." Manuel António Pina

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"Não há futuro sem memória. Sem enraizamento e sem memória, os povos, como os homens, são apenas náufragos." Manuel António Pina

Aos 100 anos, Manoel de Oliveira pelo olhar dos outros... III

17.12.08, amaroporto2

 

 

Nas escadas da PIDE
 
Conheço Manuel de Oliveira desde sempre, isto é, desde que vi o seu maravilhoso Aniki-Bobó e esse genial documentário que é A Caça, tendo acompanhado pela vida fora a sua pessoalíssima produção monumental. Mas o primeiro encontro em carne e osso deu-se numa madrugada fria dos começos de Dezembro de 1963, ia eu a subir e ele a descer as escadas da PIDE, ambos acompanhados por agentes daquela polícia.
Olhámos um para o outro e esboçámos um sorriso de circunstância. Ao olhar observador de Manoel de Oliveira não escapou um pormenor, eu trazer ainda os atacadores dos sapatos.
Vinha ele de um interrogatório e ia eu para outro. Estávamos “alojados” nos curros do Aljube, em condições infra-humanas. Manoel de Oliveira apenas fizera resistência moral ao regime, estava preso praticamente por equívoco e poucos dias depois saía em liberdade, com bem más recordações da tortura do sono e da exiguidade do cárcere. Eu era acusado de pertencer ao Partido Comunista e às Juntas de Acção Patriótica, às quais de facto pertencia, mas neguei tudo obstinadamente e continuei ainda por algum tempo na frialdade do Aljube.
Alguns anos depois do 25 de Abril, Manoel de Oliveira procurou-me e quis reconstituir, na medida do possível, aquele episódio, na escadaria da PIDE, para o inserir no filme das suas memórias, belíssimo documento cinematográfico que mais tarde vi, a seu lado, em sessão especial, apenas para alguns amigos íntimos.
Ainda pensámos numa colaboração futura, que os acasos da vida frustraram.
Vejo sempre os seus filmes com paixão cinéfila e com um muito especial afecto de antigo companheiro de desventuras.
 
Urbano Tavares Rodrigues
in Jornal de Letras, Artes e Ideias
[3-16 Dezembro 2008]
 

 

Aos 100 anos, Manoel de Oliveira pelo olhar dos outros... II

13.12.08, amaroporto2

 

 

OLIVEIRA E CAMILO

Nunca a entrega à Arte vem sozinha. Quando assisti, nos idos de 1978 (Dezembro), em Florença, à estreia mundial de “O Amor de Perdição”, fervia-me dentro o deslumbramento camilianista e a memória da jóia chamada “Aniki-Bobó”. Estava preparado para a adaptação (um risco) duma obra excepcional da Literatura e de gostar ou condenar. Depois, era emocionante a homenagem a Mestre Manoel de Oliveira. Aquilo que aconteceu foi o seguinte: vi uma obra-prima transformar-se noutra obra-prima, agora recriada e revelada por um realizador de génio e por actores exemplares, que conseguiam transmitir poesia e tragédia. E vi uma sala repleta aplaudir de pé. Na Itália -mundo maravilhoso-, tem sabor especial. E deixa uma impressão indelével.  

Manuel Poppe

 

Aos 100 anos, Manoel de Oliveira pelo olhar dos outros... I

11.12.08, amaroporto2

 

 

Agustina Bessa-Luís:
Eu aparento Manoel de Oliveira àqueles poetas saudosos que tivemos: Bernardim foi um deles, outro o cavaleiro Francisco Manuel de Melo. Vou dizer porquê. Porque em todos há mais uma determinação de fazer obra sua, do que voz do mundo. E fazer das histórias fatais, peregrinas fantasias.
 
João Mário Grilo:
Creio que o Oliveira está sempre a olhar para a frente e, consequentemente, nos faz olhar a nós na mesma direcção, como acontecia com o Eisenstein ou, na poesia com Baudelaire.
 
José-Augusto França:
Quinto Império ou Non ou a Vã Glória de Mandar, Portugal passa, em seus mitos, desgraças e inquietações, em obras que o definem, ou nos definem a nós, incertos portugueses buscando utopias – nos Portos da nossa infância…
 
Rodrigues da Silva:
Oliveira, esteticamente, nunca se satisfez, nem nunca se repetiu; demonstrou sempre ser um amante da eterna pesquisa, da eterna experiência, jamais adoptando receitas, o que faz dele um criador anti-académico por excelência.
 
in Jornal de Letras, Artes e Ideias
[3-16 Dezembro 2008]

 

Ver o Porto com Hélder Pacheco

03.12.08, amaroporto2

 

Este livro representa o percurso de um portuense atento ao que se passou na sua cidade, disposto a enfrentar os desafios das transformações que nela vão ocorrendo e a assunção da defesa da sua integridade contra os assaltantes do nosso quotidiano. É, se quisermos, uma sucessão de depoimentos pessoais sobre como a passagem dos anos foi sendo vista por uma testemunha implicada nos acontecimentos. Persistência e mudança, perenidade e modificação. Grandeza e miséria, dignidade e servidão, estabilidade e conflito. Eis o espaço em que nos movemos neste universo a que chamamos Porto. Dele se fala e volta a falar. Por ele se insiste. A partir dele se propõe um amanhã que não desminta a História. Sem renunciar ao combate, sem concessões, ao que se desconsidera e rejeita. Sem esquecer o apoio persistente e, quando não, caloroso ao que se aprecia e considera. Com a cidade, pela cidade, em prol da cidade. Nos bons e nos maus momentos. Sempre. Porque a cidade, como todo o grande amor, ama-se sem perder tempo a justificar porquê. Apenas porque sim, já que as justificações remeteriam para o mar das infâncias, o turbilhão das emoções e dos sentimentos, o tropel dos vivos e dos mortos. Para o grande Segredo, o grande Silêncio, o grande Mistério.
Hélder Pacheco, Ver o Porto