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Amar o PORTO +

"Não há futuro sem memória. Sem enraizamento e sem memória, os povos, como os homens, são apenas náufragos." Manuel António Pina

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Adriano de Paiva Brandão

13.01.09, amaroporto2

         

 

TV no século XIX

 

Há muito, muito tempo - tinha eu os meus quinze anos, vejam lá! -, ao passar por uma banca de jornais, vi um título que chamou a minha atenção. Não me recordo dos termos exactos, mas o sentido era este: a técnica da televisão foi descoberta por um português.

 

Falei do assunto em casa e todos se riram. O que era compreensível, porque o jornal em questão era um semanário altamente sensacionalista (para a época; hoje há muito pior) e portanto toda a gente de bom senso desconfiava da matéria que "eles" publicavam.

Mas, imagine-se: à sua maneira sensacionalista, o semanário tinha razão. Como eu descobri muitíssimo mais tarde. E é neste ponto que vos levo, em viagem, ao reinado de D. Luís I, para vos apresentar um senhor chamado Adriano de Paiva Brandão (1847-1907).

Paiva Brandão matriculou-se aos 14 anos na Universidade de Coimbra (isso era possível, então) e teve êxito na sua vida académica: aos 19 anos estava bacharel em Matemática e Filosofia e era convidado a doutorar-se na Faculdade de Filosofia. Para receber a borla e o capelo de doutor, teve de esperar pela maioridade. O seu padrinho na cerimónia foi o infante D. Augusto. Depois, prosseguiu a sua vida como docente na Academia Politécnica do Porto.

E onde entra a televisão em tudo isto?

Entra, passe o termo, em 1877, quando foram publicadas em Portugal as notícias sobre o telefone de Graham Bell. O Prof. Paiva Brandão interrogou-se: se era possível transmitir sons à distância, não seria igualmente possível transmitir imagens animadas?

Note-se que outros investigadores, na Europa, formulavam a mesma pergunta; portanto, Paiva Brandão não era o único nem seria talvez o primeiro. Mas a originalidade da sua teoria está em que foi o primeiro a propor o uso do selénio para um sistema de "telescopia eléctrica" - foi assim que ele lhe chamou.

Vem agora a parte mais espantosa da história: a teoria de Paiva Brandão não foi testada por ele e em breve caiu no esquecimento, juntamente com os estudos que o cientista publicou sobre o assunto. Só há relativamente pouco tempo o seu mérito de precursor foi reconhecido internacionalmente. Mas ainda não é, propriamente, algo que toda a gente saiba... E ouço já o grito de revolta: claro! Desgraçado país que não protege nem apoia os seus melhores cérebros!

Pois, mas desta vez, não é bem assim.

Os méritos deste homem foram reconhecidos: o rei D. Luís fê-lo conde de Campo Belo e par do Reino. E a culpa do desaproveitamento da teoria de Paiva Brandão cabe, exclusivamente, a um só homem: Paiva Brandão.

Que não mostrou qualquer interesse em fazer as experiências que poderiam comprovar o que ele demonstra teoricamente. E note-se que tinha a possibilidade de o  fazer. Afinal de contas, era professor de Física na Academia do Porto e teria podido usar o Gabinete de Física. Mas - como salientou o Prof. Vaz Guedes - Paiva Brandão tinha formação coimbrã e, nesses tempos, Coimbra interessava-se mais pela especulação teórica do que pela prática.

E aqui está como um precursor perdeu grandes oportunidades. O que não significa que devamos ignorá-lo ou, sequer, censurá-lo. Em contrapartida, será bom retirar alguns ensinamentos desta história...

 

João Aguiar, Viagens na História

[Tempo Livre, Janeiro 2009 (INATEL)]