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Amar o PORTO +

"Não há futuro sem memória. Sem enraizamento e sem memória, os povos, como os homens, são apenas náufragos." Manuel António Pina

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"Não há futuro sem memória. Sem enraizamento e sem memória, os povos, como os homens, são apenas náufragos." Manuel António Pina

O tal das tranças...

24.12.09, amaroporto2

 

 

HISTÓRIA ANTIGA
 
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação. 
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
 

                             Miguel Torga

 

Por mim, pode voar...

04.12.09, amaroporto2

 

 

A voar para Lisboa
 
Nunca vi (ouvi e já me chegou) nenhuma das Red Bull Air Races que, de há uns anos para cá, enxameiam regularmente os céus do Porto com aviões de corrida e os ouvidos dos portuenses com o ruído dos motores e a algazarra da publicidade. Não tenho nada contra quem gosta de coisas do género, mas ficar horas a fio de nariz para o ar a ver aviões passar não é decididamente o meu divertimento favorito. Irrita-me também a natureza provinciana de "acontecimento" que a Câmara do Porto dá à coisa. Mas irrita-me mais o provincianismo dos patrocinadores e do Instituto de Turismo de Portugal (porque aparentemente há dinheiros públicos e, portanto, opções políticas, envolvidos no assunto) que, vendo que a corrida levou este ano um milhão de pessoas às margens do Douro, acharam que seria boa ideia transferi-la para o Tejo e para… Lisboa. É em casos menores como este que o centralismo mostra a sua face mais mesquinha. Se o problema é o Porto ter algo que Lisboa não tem, um dia destes veremos a Torre dos Clérigos deslocalizada para o Terreiro do Paço. E com ela, valha-nos isso, talvez até o próprio Rui Rio.
 
Manuel António Pina, Por Outras Palavras
Jornal de Notícias [03.Dez.2009]