Sábado, 1 de Setembro de 2007
"Hontem, às 6 horas e 10 minutos da tarde, tendo abrandado forte ventania, levantou o primeiro voo do biplano da creche 'O Comercio do Porto'. O aparelho, manobrado habilmente por mister Trescartes, ergueu-se garbosamente do aeródromo e cortou o espaço em diversas direcções, subindo a 800 metros". [...] "a concorrência era numerosíssima, despejando os carros da Companhia Carris e dos Caminhos de Ferro do Porto muitíssimas pessoas, não contando com as que foram em automóveis, trens, bicycletas e motocycletas e a pé".[1] [1] Segundo Nunes da Ponte, em "Recordando o Velho Burgo", até no Monte Castro, em Gondomar, se aglomerou "uma verdadeira pilha humana" para tentar ver o avião. | Castelo do Queijo acolheu a iniciativa de "O Comércio do Porto" ![]() |
Foi assim que o Jornal de Notícias registou aquele que estava anunciado como o primeiro voo de avião em Portugal, feito a partir de um aeródromo improvisado junto ao Castelo do Queijo, no sábado 7 de Setembro de 1912. Na verdade, o primeiro voo tinha sido realizado dois anos antes, por Julien Mamet, num Blériot XI, em Lisboa.
Mas foi uma primeira vez para a multidão, 60 mil pessoas segundo as crónicas, que quis ver a desengonçada máquina levantar voo.
Depois de um teste, no primeiro voo oficial o biplano MF4 elevou-se a 300 metros e, após algumas voltas sobre o campo, seguiu em direcção ao Porto, passando por cima do rio Douro, Praça da Liberdade, Marquês do Pombal e Torre dos Clérigos. Permaneceu no ar durante 16 minutos.
Angariar dinheiro para a construção da obra social das Creches "Comércio do Porto" foi o pretexto para este gesto pioneiro. A lembrança foi do industrial António da Silva Marinho, que adquiriu o avião militar em Paris, fazendo transportar até Leixões a bordo de um paquete. À iniciativa aderiram numerosas entidades e pessoas, tentando rentabilizar ao máximo o evento, num gesto percursor da verdadeira acção de marketing a que hoje os portuenses podem assistir. O "desportista" Henrique Marinho transportou aviador e mecânico no seu "magnífico automóvel Fiat"; o governador civil mandou montar guarda no Palácio de Cristal, cedido para a montagem do aparelho e para servir de local de exposição; os chefes militares emprestaram as suas bandas militares para animarem o espaço que foi devidamente engalanado com bandeiras e flores.
As visitas ao Palácio serviram para reunir um bom montante para a obra social do "Comércio", mas a verdadeira festa foi no improvisado aeródromo do "Castelo do Queijo", com a multidão que pagou bilhetes que iam dos 100 reis (peões ao sol) até aos 500 réis (bancada). Um sucesso que depois seria repetido em Lisboa.
O avião pilotado por Trescartes era um MF-4 construído pelo francês Maurice Farman, antigo campeão de ciclismo e fabricante de automóveis e aviões. O biplano militar , com motor Renault, voava a 80 km/h. Foi num destes aviões que Gago Coutinho fez o baptismo de voo com o piloto Sacadura Cabral. No Museu do Ar existe uma réplica.
"A receita das ascensões ficou longe de cobrir o custo do biplano", escreveu Bento Carqueja, proprietário do "Comércio", mas foi vendido ao Estado por dois mil réis e António Marinho ofereceu o dinheiro às creches.
David Pontes, in Jornal de Notícias (1 de Setembro de 2007)
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P.S. Esta é uma notícia com interesse evidente no dia de hoje em que se realizou, também no Porto, uma das provas do campeonato da Red Bull Air Race (Penso que é assim que se diz.). Em 1912, no início da era dos aviões, era natural o interesse dos portuenses pelo aparelho que concretizava o eterno sonho humano de voar e que revolucionaria os transportes de uma forma nunca sonhada.
Gosto de viajar de avião. Eles são um mal necessário à vida de hoje. Mas não gosto que sejam usados como divertimento "para aumentar a adrenalina". Está bem! É um desporto, exige perícia, coragem, etc. Mas eu, que tenho um cuidado constante em poucar energia e proteger o ambiente, não posso estar de acordo com o gasto de combustível e com a poluição que estas provas, como também as de automobilismo ou as de motos, provocam. Não é fácil, para mim, assumir esta posição um tanto moralista. Mas os resultados das nossas escolhas irresponsáveis estão à vista. Não podemos continuar a agredir este planeta que é a nossa casa. Sobretudo porque há quem tenha de viver aqui depois de nós.